IGREJAS CONTINUAM FECHADAS NA ARGÉLIA
Após a onda de fechamento de igrejas que o país experimentou em 2019, vários cristãos na Argélia ainda não conseguiram encontrar seu local de culto. Os cristãos argelinos de origem protestante são particularmente visados por estas proibições.
Em 27 de fevereiro, o presidente Abdelmadjid Tebboune concedeu a nacionalidade argelina ao arcebispo de Argel, o francês Jean-Paul Vesco. Para além da importância de seu papel para a Argélia, o poder em exercício procurou sobretudo, através desta homenagem, enviar uma forte mensagem para a comunidade internacional, que regularmente destaca a Argélia na questão do respeito pelas minorias religiosas.
O último relatório da Comissão de Liberdade REligiosa Internacional dos EUA (USCIRF) que foi divulgado em Novembro de 2022, relatou a "repressão à liberdade religiosa" na Argélia e o não cumprimento de certas leis locais (incluindo essencialmente a Portaria 06-03) com o princípio da proteção jurídica internacional da liberdade religiosa. O que valeu a Argélia para ser colocada "sob vigilância". Este relatório também inspirou a colocar a Argélia na 22a. posição, de uma lista de 50 países, entre os países onde os cristãos são mais perseguidos (Portas Abertas).
Uma pesada responsabilidade
Em Junho de 2022, o chefe da diplomacia americana havia mencionado os ataques à liberdade da comunidade cristã na Argélia, que resultaram no fechamento de cerca de 30 comunidades religiosas protestantes. Nesse sentido, a homenagem prestada aos respresentantes da Igreja Católica parece trair a impressão de duplicidade com que as autoridades argelinas tratam a Igreja Protestante.
De acordo com a última contagem datada da primavera de 2022, dezessete igrejas foram fechadas em 2017 e outros locais de culto ainda estavam sob ameaça de fechamento por ordem do wali (prefeito). O pior ano para os cristãos protestantes argelinos foi sem dúvida 2019, com o fechamento e proibição de reabertura de outros 13 locais, a grande maioria destes lugares na região da Cabília. Tudo aconteceu em meio à efervescência de protestos populares exigindo uma reforma política radical.
Por que esse foco na Cabília?
Para justificar suas decisões, as autoridades dizem suspeitar que essas igrejas, abrigam atividades de proselitismo e seus promotores não cumprem a lei que refe o culto na Argélia. Esta lei, conhecida como 06/03 de 28 de fevereiro de 2006, proíbe qualquer atividade em locais "destinados ao exercício de culto contrário à sua natureza e aos fins que se destinam". Estipula ainda que qualquer modificação de edifício destinado à prática de culto não muçulmano deverá ser sujeita à aprovação prévia do Governo e que o referido culto seja estritamente exercido em edifícios destinados e aprovados para esse fim. O que é chamado de "proselitismo" é punível com dois a cinco anos de prisão.
Este enrijecimento das autoridades explica-se pelo receio de um embate entre os evangelistas, muito presentes nos canais por satélite transmitidos em árabe e assistidos pela população na Argélia, com os defensores da autonomia da Cabília, muitos dos quais muitas vezes escolheram como reação à religião do estado (islamismo), para se converterem ao cristianismo.

O movimento pela autonomia da Cabília é classificado como organização terrorista desde 2021. Isso significa que, os novos seguidores do cristinismo evangélico, agora vivem reclusos para fugir da perseguição. Isto enquanto continuam resistindo, proncipalmente por meio das redes sociais. De acordo com fontes cruzadas, em 2015 havia 380.000 argelinos convertidos ao cristianismo, a maioria deles vivendo na Cabília.
Em Akbou, uma grande cidade a 67 kilometros de Béjaia, encontramos um novo convertido. Mohamed(*), 46 anos, casado, diz que ele e outros irmãos na fé ─ algumas dezenas ─ desafiam a proibição, continuando a se reunir para períodos de orações e cultos em uma casa destinada para esse fim por um dos irmãos na fé. "Desde que fecharam as duas igrejas na cidade conseguimos manter nossas reuniões nos reunindo em casas", que aparentava indignação mas que não se arrepende de sua escolha de fé.
Mais ao norte, Ighzer-Amokrane, é a mesma situação. Kamel, 35 anos, descreve uma situação insustentável desde o fechamento, em 2020, da igreja Prince of Peace. "Batemos em todas as portas para solicitar a reabertura de nosso local de culto, mas foi em vão até agora", mas adiciona dizendo que "...hoje fazemos nossas orações em qualquer lugar, mas a princípio muitos de nós se sentiram desmotivados. Não nos consideram como cidadãos com plenos direitos em nosso país, somos proibidos de exercer nossa fé com liberdade e dignidade", afirma.
Vítimas de padrões duplos
Essa paranóia cultivada contra a igreja protestante na Argélia remonta a 2008, quando duas igrejas foram fechadas em Tizi Ouzou. O então ministro dos Assuntos Religiosos, Boubdallaj Ghamallah, tinha declarado que as duas localidades "participaram na constituição de uma intervenção estrangeira".
Por outro lado, a Igreja Católica na Argélia não parece queixar-se das mesmas perseguições. Em uma declaração em Junho de 2018, o Arcebispo de Argel, Monsenhor Paulo Desfarges, refutou as acusações feitas por ONGs contra o Estado argelino, que era acusado de minar a liberdade de culto, estas foram suas palavras: "...afirmo que o problema da liberdade de culto não é uma realidade na Argélia, que tem seus lugares de culto e são reconhecidos por lei". Uma clara alusão aos locais de culto pertencentes à igreja protestante evangélica, que não são todos reconhecidos, embora aprovados desde 1974.
Este mesmo discurso é utilizado pelo atual Ministro de Assuntos Religiosos na Argélia, Youssef Belmehdi, em reação a estigmatização americana, ao defender que os cristãos "não sofrem nenhum assédio na Argélia", inclusive jurar que "nenhuma igreja fechada" neste país!
Dito isto, a Igreja Católica nem sempre está acima de qualquer suspeita. Por exemplo em setembro de 2022, as autoridades da igreja ficaram chocadas ao saber da proibição, por parte das autoridades argelinas, do seu serviço de caridade e serviço social (Caritas). O arcebispo de Argel, Jean-Paul Vesco, posteriormente explicou que deveria haver uma confusão devido a outra organização (que é mal vista na Argélia) com o mesmo nome e finalizou dizendo "não queremos entrar em conflito com autoridades locais".
Os argelinos, recém-convertidos ao cristianismo, escolhem o protestantismo, enquanto os católicos são geralmente europeus que vivem na Argélia. Isso acentua as suspeitas de proselitismo, entre os primeiros, e também a exposição à perseguição.
Por último, há também o olhar da sociedade na Argélia que nem sempre é indulgente com qualquer conversão a outras religiões. Questionado, o investigador Saïd Djabelkheir vê três razões para isso: "A primeira: a escola argelina contonua a ensinar o fanatismo religioso ao invés de valores republicanos, incluindo tolerância, abertura à alteridade, direito à diferença e respeito e aceitação de outras expressões em idiomas, cultura, religião, com igualdade e respeito às liberdades individuais", afirma. "Em segundo lugar o discurso da mídia dirigido aos argelinos é cada vez mais fanático, retraído e intolerante". E conclui dizendo que, desde seu ponto de vista, a terceira causa é "o discurso religioso veiculado nas mesquitas".
(*) Cabília é uma região histórica no norte da Argélia, habitada principalmente por berberes. Seus habitantes o chamam de Tamurt n Iqbaylyen ("País dos Cabiles") ou Tamurt Idurar ("País das montanhas"). Faz parte das montanhas do Atlas e está localizada às margens do Mar Mediterrâneo. A Cabília cobre vários regiões da Argélia: todo o território de Tizi Uzu e Bejaia (Bgayet), a maior parte de Bouira (Tubiret), partes leste e sul de Boumerdes, parte norte da província de Setif, parte norte e oeste de a província de Bordj Bou Arreridj e o extremo oeste da província de Jijel.
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Traduzido por E. Ribeiro é casado e junto com sua família servem desde o ano 2002 no Norte da África. Missionário transcultural através da Missão Sepal www.sepal.org.br é fundador do projeto ‘Eu Oro pelo Norte da África’ - www.euoropna.com, também é Bacharel em Teologia, Pós-graduado em Aconselhamento Cristão Contemporâneo e Radialismo.